BOCAS INFERNAIS

Quando a poesia se transforma em orgia literária?Quando sonetos se tornam pungentes?
Quando lemos Gregório de Matos e Glauco Mattoso.Um sendo o discípulo o outro o mestre.

O mestre recita:

Brás pastor inda donzelo,
querendo descabaçar-se,
viu Betica a recrear-se
vinda ao prado de amarelo:
e tendo duro o pinguelo,
foi lho metendo já nu,
fossando como Tatu:
gritou Brites, inda bem,
que tudo sofre, quem tem
rachadura junto ao cu.
(Gregório de Mattos- Teve noticia, que Sebastião da Rocha Pitta sendo rapaz, se estragava com brites.)

O discípulo declama:

Se o orifício anal é um olho cego,
que pisca e vai fazendo vista grossa
a tudo que entra e sai, que entala ou roça,
três vezes cego sou. Que cruz carrego!

Porém não pela mão me prende o prego,
mas pela língua suja, que hoje coça
o cu dos outros, feito um limpa-fossa,
e as pregas, como esponja escrota, esfrego.

O “beijo negro” é o último degrau
desta degradação em que mergulho,
maior humilhação eu chupar pau.

Sujeito-me com náusea, com engulho,
ao paladar fecal e ao cheiro mau,
e, junto com a merda, engulo o orgulho.
(Glauco Mattoso- Soneto Higiênico)

Sonetos licenciosos e duas bocas infernais. Gregório satirizando o relacionamento heterossexual e Glauco; fetiches homossexuais. Mas são vozes que ecoam juntas a pornografia literária e apimentam a poesia.
Glauco Mattoso é um herdeiro da sátira política, irreverência e libidinosidade encontrada em Gregório de Matos. Há um forte humor negro, acompanhado de sarcasmo e erotismo em sua obra.
São semelhanças que possuem diferenças morais. Isso mesmo por mais paradoxo que pareça, os dois autores possuem adversidades morais. Gregório de Matos carrega certa culpa e possui recaídas religiosas. Glauco esbraveja uma perversão linear, sem culpas ou crenças.

(...)
Arrependido estou de coração,
De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro me mostra a salvação,
A salvação pretendo em tais abraços,
Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
(Gregório de Matos- Pecador contrito aos pés de Cristo crucificado)

(...)
E, se não nasci nem morri, das duas uma:
ou sou Deus ou não existo.
Ora, como nem tudo que eu quero acontece
e nem tudo que acontece eu quero,
não sou Deus.
Portanto, não existo.
(Glauco Mattoso- Penso, logo cago)
 
Glauco Mattoso possui uma poesia corrosiva, erótica e pornográfica. 
Gregório similarmente; mas também andou por caminhos mais líricos e, mesmo, sagrado. 
Outra semelhança notória entre os dois é o tema político. 
Os repúdios pelas mamatas governamentais produzem mordazes poéticas e um cunho de denúncia.
Gregório de Matos mais centralizado a cidade da Bahia, pouco depois do descobrimento do Brasil.
 Glauco com tema contemporâneo. 
 
 
Senhor Antão de Sousa de Meneses,

Quem sobe a alto lugar, que não merece,

Homem sobe, asno vai, burro parece,

Que o subir é desgraça muitas vezes.



A fortunilha autora de entremezes

Transpõe em burro o Herói, que indigno cresce

Desanda a roda, e logo o homem desce,

Que é discreta a fortuna em seus reveses.



Homem (sei eu) que foi Vossenhoria,

Quando o pisava da fortuna a Roda,

Burro foi ao subir tão alto clima.

Pois vá descendo do alto, onde jazia,

Verá, quanto melhor se lhe acomoda

Ser home em baixo, do que burro em cima.
(Gregório de Mattos- À despedida do mau governo que fez este Governador)
Regimental
Trancada a pauta, nada mais se vota,
enquanto novo acordo não costura
comadre com compadre e não se jura
que vale uma palavra mais que a nota.

Da noite para o dia, ninguém nota
o pacto que, na véspera, fervura
causara no Congresso, e a sinecura
retoma o ramerrão e cobra a cota.

Só serve um regimento a quem protela
"devidas providências" ou apressa
"medidas de interesse" da panela.

Se explodem as denúncias, interessa
mostrar serviço e investigar quem zela,
mas sendo alguém da Casa, o caso cessa.
(Glauco Mattoso)
 
Seja qual For a época os dois possuem espadas afiadas 
 e vozes que ecoam denúncia e palavrões.Nomes semelhantes e línguas venenosas.
 Glauco talvez seja o espectro de Gregório. 
Carregando ruídos licenciosos e mordazes prolixas no ecoar da sua poesia.
             
 
 Fico imaginando um encontro entre Gregório de Mattos e Glauco Mattoso:
“Gregório diria:
 - e aí filha da puta!
E Glauco bem insinuante:
- me deixa ver teus pés...”
(Irving Selassié)
 
 
 

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